O Nariz Perante os Poetas

Bernardo Guimarães

Cantem outros os olhos, os cabelos E mil cousas gentis Das belas suas: eu de minha amada Cantar quero o nariz. Não sei que fado mísero e mesquinho É este do nariz, Que poeta nenhum em prosa ou verso Cantá-lo jamais quis. Os dentes são pérolas, Os lábios rubis, As tranças lustrosas São laços sutis Que prendem, que enleiam Amante feliz; É colo de garça A nívea cerviz; Porém ninguém diz O que é o nariz. Beija-se os cabelos, E os olhos belos, E a boca mimosa, E a face de rosa De fresco matiz; E nem um só beijo Fica de sobejo Pro pobre nariz; Ai! pobre nariz, És bem infeliz! Perdão por esta vez, perdão, senhora! Eis nova inspiração me assalta agora, E em honra ao teu nariz Dos lábios me arrebenta em chafariz: O teu nariz, doce amada, É um castelo de amor, Pelas mãos das próprias graças Fabricado com primor. As suas ventas estreitas São como duas seteiras, Donde ele oculto dispara Agudas flechas certeiras. Em que sítios te pus, amor, coitado! Meu Deus, em que perigo? Se a ninfa espirra, pelos ares saltas, E em terra dás contigo. Estou já cansado, desisto da empresa, Em versos mimosos cantar-te bem quis; Mas não o consente destino perverso, Que fez-te infeliz; Está decidido, — não cabes em verso, Rebelde nariz. E hoje tu deves Te dar por feliz Se estes versinhos Brincando te fiz.