Minha Rede

Bernardo Guimarães

CANÇÃO Minha rede preguiçosa Amorosa, Em teu seio me embalança; Quero ler nos céus risonhos Doces sonhos De ventura e de esperança. Neste lânguido deleixo Correr deixo Minha vida descuidosa, Contemplando ali defronte No horizonte Uma nuvem cor-de-rosa. Pelo vão dessa janela, Pura e bela, Eu a vejo deslizar; Pelo campo etéreo voga Qual piroga Cortando o cerúleo mar. Linda nuvem, quem me dera Pela esfera Em teus ombros ir boiando, E pairando sobre os montes, Horizontes Infinitos devassando! Veria da minha terra A alta serra, Que há tanto tempo deixei; E veria na janela A donzela Por quem tanto suspirei. E os lares de minha infância, Em distância Pelo menos eu veria, E as campinas, os ribeiros, E os coqueiros, A cuja sombra dormia... Se penso nos meus amores, Entre flores Me sorri doce esperança: E entre sonhos cor-de-rosa, Amorosa, Minha rede me embalança. Os pesares, os queixumes, Os ciúmes Com horror dela se arredam; Só prazeres sorridores, Só amores Em suas malhas se enredam. Meus amigos, em mim crede: Esta rede Foi um presente divino; Esta rede é encantada; Uma fada Me a deu em troco de um hino. Minha rede sonolenta, Vai mais lenta, Vai-me agora embalançando; Enquanto o suave sono De teu dono Sobre os olhos vem baixando.