Ao Charuto

Bernardo Guimarães

ODE Vem, ó meu bom charuto, amigo velho, Que tanto me regalas; Que em cheirosa fumaça me envolvendo Entre ilusões me embalas. Oh! que nem todos sabem quanto vale Uma fumaça tua! Nela vai passear do bardo a mente Às regiões da lua. E por lá embalado em rósea nuvem Vagueia pelo espaço, Onde amorosa fada entre sorrisos O toma em seu regaço; E com beijos de requintado afeto A fronte lhe desruga, Ou com as tranças d'ouro mansamente As lágrimas lhe enxuga. Ó bom charuto, que ilusões não geras! Que tão suaves sonhos! Como ao te ver atropelados correm Cuidados enfadonhos! Quantas penas não vão por esses ares Com uma só fumaça!... Quanto negro pesar, quantos ciúmes, E quanta dor não passa! Tu és, charuto, o pai dos bons conselhos, O símbolo da paz; Para em santa pachorra adormecer-nos Nada há mais eficaz. Quanto lastimo os nossos bons maiores, Os Gregos e os Romanos, Por não te conhecerem, nem gozarem Teus dotes soberanos! Quantos males talvez não pouparias À triste humanidade, Ó bom charuto, se te possuísse A velha antiguidade! Fumemos pois! — Ambrósio, traze fogo... Puff!... oh! que fumaça! Como me envolve todo entre perfumes, Qual véu de nívea cassa! Vai-te, alma minha, embarca-te nas ondas Desse cheiroso fumo, Vai-te a peregrinar por essas nuvens, Sem bússola, nem rumo. Vai despir no país dos devaneios Esse ar pesado e triste; Depois, virás mais lépida e contente, Contar-me o que lá viste.