De madrugada, na alta serra…

Vinicius de Moraes

De madrugada, na alta serra  Desencanta-se o Príncipe da Terra  De madrugada, na alta serra  Ouve-se a voz que aterra  O canto pressago, frio como um sorriso  Do Príncipe da Terra  Disse-me o vento  O vento uivante, o vento uivante  Na minha insônia em sangue  De madrugada, na alta serra  Desencanta-se o Príncipe da Terra  E as mulheres, geladas  Abandonam as casas, criam asas  Para ir ouvir o Príncipe da Terra  Cujo canto é frio como um sorriso.  Possui-as o Príncipe da Terra  Na alta serra  O grande invertido, o mágico, o louco  O amante sem sexo  Cuja cabeleira é de platina  E que tem pupilas brancas  Ah, quem me dirá - oh, desvario  Da minha poesia no fundo do espelho da bruma  Que o vento uivante, o vento uivante  Não seja a voz do Príncipe da Terra  Cantando o amor e a morte  Na alta serra?  Eu sou o Príncipe da Terra  O inutilmente desaventurado  Eu sou o Príncipe Indiferente  O deus do crime, o bem-amado  Eu sou o Príncipe Altair  Sexo fui, castrado  Plantado, tornado árvore, raiz  Garra de ódio no ventre da morte  Hoje sou o Príncipe Eunuco  De vos conseguir indesejados  Vossa boca para os meus lábios mecânicos  Vossos dedos para os meus seios de pedra  Vosso ventre para a minha espada de aço  Ó fazedoras de espasmos  Eu sou o Príncipe da Terra  Ó súcubo Altair  Cerzi a traição inconsciente  Alucinai!  De vós nascerá a dor invisível  Que deita lama no coração  Eu sou o Príncipe Impotente  O Cão hermafrodita  Meu beijo é veneno em vossos dentes  Mordei!  Percorrei mundos, transportai a morfina nas horas  Plantai espelhos súbitos de morte nas almas.