Primaveras

Casimiro de Abreu

I A primavera é a estação dos risos, Deus fita o mundo com celeste afago, Tremem as folhas e palpita o lago Da brisa louca aos amorosos frisos. Na primavera tudo é viço e gala, Trinam as aves a canção de amores, E doce e bela no tapiz das flores Melhor perfume a violeta exala. Na primavera tudo é riso e festa, Brotam aromas do vergel florido, E o ramo verde de manhã colhido Enfeita a fronte da aldeã modesta. A natureza se desperta rindo, Um hino imenso a criação modula, Canta a calhandra, a juriti arrula, O mar é calmo porque o céu é lindo. Alegre e verde se balança o galho, Suspira a fonte na linguagem meiga, Murmura a brisa: — Como é linda a veiga! Responde a rosa: — Como é doce o orvalho! II Mas como às vezes sobre o céu sereno Corre uma nuvem que a tormenta guia, Também a lira alguma vez sombria Solta gemendo de amargura um treno. São flores murchas; — o jasmim fenece, Mas bafejado s'erguerá de novo Bem como o galho do gentil renovo Durante a noite, quando o orvalho desce. Se um canto amargo de ironia cheio Treme nos lábios do cantor mancebo, Em breve a virgem do seu casto enlevo Dá-lhe um sorriso e lhe entumece o seio. Na primavera — na manhã da vida — Deus às tristezas o sorriso enlaça, E a tempestade se dissipa e passa À voz mimosa da mulher querida. Na mocidade, na estação fogosa, Ama-se a vida — a mocidade é crença, E a alma virgem nesta festa imensa Canta, palpita, s'extasia e goza.