Pensamentos dela

Álvares de Azevedo

Talvez, à noite, quando a hora finda Em que eu vivo de tua formosura, Vendo em teus olhos... nessa face linda A sombra de meu anjo da ventura, Tu sorrias de mim porque não ouso Leve turbar teu virginal repouso, A murmurar ternura. Eu sei. Entre minh'alma e tua aurora Murmura meu gelado coração. Meu enredo morreu. Sou triste agora, Estrela morta em noite de verão! Prefiro amar-te bela no segredo! Se foras minha tu verias cedo Morrer tua ilusão! Eu não sou o ideal, alma celeste, Vida pura de lábios recendentes, Que teu imaginar de encantos veste E sonhas nos teus seios inocentes!... Flor que vives de aromas e luar, Oh! nunca possas ler do meu penar As páginas ardentes! Se em cânticos de amor a minha fronte Engrinaldo por ti, amor cantando, Com as rosas que amava Anacreonte, É que alma dormida, palpitando... No raio de teus olhos se ilumina, Em ti respira inspiração divina E ela sonha cantando! Não a acordes contudo. A vida nela Como a ave no mar suspira e cai... Às vezes, teu alento de donzela E de teus lábios o morrer de um ai, Tua imagem de fada, num instante Estremecem-na, embalam-na expirante E lhe dizem: "sonhai!" Mas quando o teu amante fosse esposo E tu, sequiosa e lânguida de amor, O embalasses ao seio voluptuoso E o beijasses dos lábios no calor, Quando tremesses mais, não te doera Sentir que nesse peito que vivera Murchou a vida em flor?