Há dores fundas, agonias lentas, Dramas pungentes que ninguém consola, Ou suspeita sequer! Mágoas maiores do que a dor dum dia, Do que a morte bebida em taça morna De lábios de mulher! Doces falas de amor que o vento espalha, Juras sentidas de constância eterna Quebradas ao nascer; Perfídia e olvido de passados beijos... São dores essas que o tempo cicatriza Dos anos no volver. Se a donzela infiel nos rasga as folhas Do livro d'alma, magoado e triste Suspira o coração; Mas depois outros olhos nos cativam, E loucos vamos em delírios novos Arder noutra paixão. Amor é o rio claro das delícias Que atravessa o deserto, a veiga, o prado, E o mundo todo o tem! Que importa ao viajor que a sede abrasa, Que quer banhar-se nessas águas claras, Ser aqui ou além? A veia corre, a fonte não se estanca, E as verdes margens não se crestam nunca Na calma dos verões; Ou quer na primavera, ou quer no inverno, No doce anseio do bulir das ondas Palpitam corações. Não! a dor sem cura, a dor que mata, É, moço ainda, e perceber na mente A dúvida a sorrir! É a perda dura dum futuro inteiro E o desfolhar sentido das gentis coroas, Dos sonhos do porvir! É ver que nos arrancam uma a uma Das asas do talento as penas de ouro, Que voam para Deus! É ver que nos apagam d'alma as crenças E que profanam o que santo temos Co'o riso dos ateus! É assistir ao desabar tremendo, Num mesmo dia, d'ilusões douradas, Tão cândidas de fé! É ver sem dó a vocação torcida Por quem devera dar-lhe alento e vida E respeitá-la até! É viver, flor nascida nas montanhas, Para aclimar-se, apertada numa estufa À falta de ar e luz! É viver, tendo n'alma o desalento, Sem um queixume, a disfarçar as dores Carregando a cruz! Oh! ninguém sabe como a dor é funda, Quanto pranto s'engole e quanta angústia A alma nos desfaz! Horas há em que a voz quase blasfema... E o suicídio nos acena ao longe Nas longas saturnais! Definha-se a existência a pouco e pouco, E ao lábio descorado o riso franco Qual dantes, já não vem; Um véu nos cobre de mortal tristeza, E a alma em luto, despida dos encantos, Amor nem sonhos tem! Murcha-se o viço do verdor dos anos, Dorme-se moço e despertamos velho, Sem fogo para amar! E a fronte jovem que o pesar sombreia Vai, reclinada sobre um colo impuro, Dormir no lupanar! Ergue-se a taça do festim da orgia, Gasta-se a vida em noites de luxúria No leito dos bordéis, E o veneno se sorve a longos tragos Nos seios brancos e nos lábios frios Das lânguidas Frinés! Esquecimento! — mortalha para as dores — Aqui na terra é a embriaguez do gozo, A febre do prazer: A dor se afoga no fervor dos vinhos, E no regaço das Marcôs modernas E' doce então morrer! Depois o mundo diz: — Que libertino! A folgar no delírio dos alcouces As asas empanou! — Como se ele, algoz das esperanças, As crenças infantis e a vida d'alma Não fosse quem matou!... Oh! há dores tão fundas como o abismo, Dramas pungentes que ninguém consola Ou suspeita sequer! Dores na sombra, sem carícias d'anjo, Sem voz de amigo, sem palavras doces, Sem beijos de mulher!...