A Cruz na Estrada

Castro Alves

Invideo quia quiescunt. LUTERO em Worms. Tu que passas, descobre-te! Ali dorme O forte que morreu. A. HERCULANO (Trad.) Caminheiro que passas pela estrada, Seguindo pelo rumo do sertão, Quando vires a cruz abandonada, Deixa-a em paz dormir na solidão. Que vale o ramo do alecrim cheiroso Que lhe atiras nos braços ao passar? Vais espantar o bando buliçoso Das borboletas, que lá vão pousar. É de um escravo humilde sepultura, Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz. Deixa-o dormir no leito de verdura, Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs. Não precisa de ti. O gaturamo Geme, por ele, à tarde, no sertão. E a juriti, do taquaral no ramo, Povoa, soluçando, a solidão. Dentre os braços da cruz, a parasita, Num braço de flores, se prendeu. Chora orvalhos a grama, que palpita; Lhe acende o vaga-lume o facho seu. Quando, à noite, o silêncio habita as matas, A sepultura fala a sós com Deus. Prende-se a voz na boca das cascatas, E as asas de ouro aos astros lá nos céus. Caminheiro! do escravo desgraçado O sono agora mesmo começou! Não lhe toques no leito de noivado, Há pouco a liberdade o desposou. Recife, 22 de junho de 1865. Publicado no livro A cachoeira de Paulo Afonso: poema original brasileiro (1876). In: ALVES, Castro. Obra completa. Org. e notas Eugênio Gomes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 198