Antítese

Castro Alves

O seu prêmio? — O desprezo e uma carta de alforria quando tens gastas as forças e não pode mais ganhar a subsistência. Maciel Pinheiro Cintila a festa nas salas! Das serpentinas de prata Jorram luzes em cascata Sobre sedas e rubins. Soa a orquestra ... Como silfos Na valsa os pares perpassam, Sobre as flores, que se enlaçam Dos tapetes nos coxins. Entanto a névoa da noite No átrio, na vasta rua, Como um sudário flutua Nos ombros da solidão. E as ventanias errantes, Pelos ermos perpassando, Vão se ocultar soluçando Nos antros da escuridão. Tudo é deserto. . . somente À praça em meio se agita Dúbia forma que palpita, Se estorce em rouco estertor. — Espécie de cão sem dono Desprezado na agonia, Larva da noite sombria, Mescla de trevas e horror. É ele o escravo maldito, O velho desamparado, Bem como o cedro lascado, Bem como o cedro no chão. Tem por leito de agonias As lájeas do pavimento, E como único lamento Passa rugindo o tufão. Chorai, orvalhos da noite, Soluçai, ventos errantes. Astros da noite brilhantes Sede os círios do infeliz! Que o cadáver insepulto, Nas praças abandonado, É um verbo de luz, um brado Que a liberdade prediz.