O Século

Castro Alves

O séc'lo é grande... No espaço Há um drama de treva e luz. Como o Cristo — a liberdade Sangra no poste da cruz. Um corvo escuro, anegrado, Obumbra o manto azulado, Das asas d'águia dos céus... Arquejam peitos e frontes... Nos lábios dos horizontes Há um riso de luz... É Deus. Às vezes quebra o silêncio Ronco estrídulo, feroz. Será o rugir das matas, Ou da plebe a imensa voz?... Treme a terra hirta e sombria... São as vascas da agonia Da liberdade no chão?... Ou do povo o braço ousado Que, sob montes calcado, Abala-os como um Titão?!... Ante esse escuro problema Há muito irônico rir. P'ra nós o vento da esp'rança Traz o pólen do porvir. E enquanto o cepticismo Mergulha os olhos no abismo, Que a seus pés raivando tem, Rasga o moço os nevoeiros, P'ra dos morros altaneiros Ver o sol que irrompe além. (...) Luz!... sim; que a criança é uma ave, Cujo porvir tendes vós; No sol — é uma águia arrojada, Na sombra — um mocho feroz. Libertai tribunas, prelos... São fracos, mesquinhos elos... Não calqueis o povo-rei! Que este mar d'almas e peitos, Com as vagas de seus direitos, Virá partir-vos a lei. Quebre-se o cetro do Papa. Faça-se dele — uma cruz! A púrpura sirva ao povo P'ra cobrir os ombros nus. Que aos gritos do Niagara — Sem escravos, — Guanabara Se eleve ao fulgor dos sóis! Banhem-se em luz os prostíbulos, E das lascas dos patíbulos Erga-se a estátua aos heróis! Basta!... Eu sei que a mocidade É o Moisés no Sinai; Das mãos do Eterno recebe As tábuas da lei! — Marchai! Quem cai na luta com glória, Tomba nos braços da História, No coração do Brasil! Moços, do topo dos andes, Pirâmides vastas, grandes, Vos contemplam séc'los mil! Pernambuco, agosto de 1865. Imagem - 00290010 Publicado no livro A cachoeira de Paulo Afonso: poema original brasileiro (1876). In: ALVES, Castro. Obra completa. Org. e notas Eugênio Gomes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 198