Originais

Castro Alves

Destruição de Jerusalém I "TREME, treme, dissoluta, Ímpia filha de Sião! Que a tua devassidão Provoca a ira de Deus; Povo e rei, todos profanam Do Senhor os vasos santos, A Baal se entoam cantos! O! como se ultraja os céus?!... "Ó rei poluto se entrega Ao prazer das saturnais; Nas orgias infernais Dorme o seu povo também. Escarneceste o profeta? Desprezaste a Jeremias? Pois sim!... por bem curtos dias Tu serás Jerusalém. "Teus palácios majestosos, Teus senhores dissolutos, Pelo vício já corruptos, Hão de cair Culminados Tuas donzelas mimosas, E teus filhos, sem auxílio Da escravidão, no exílio Morrerão aferrolhados. "Treme! treme! dissoluta, Filha ingrata de Sião! Que a tua condenação, Já lavrou-a o Senhor Deus... " Assim falava inspirado O profeta ao rei, ao povo, Que o escarneciam de novo, Ouvindo os decretos seus. II Lá nas orlas do horizonte Sutil fumo se condensa; Cresce, e em nuvem negra, imensa, Sobe aos céus em caracol. A terra atroam medonhos Confusos tropéis ruidosos.. Os corcéis rincham fogosos; Brilha o ferro à luz do sol. Alarma! alarma! tremendo, Os vigias de Sião Gritam; reina a confusão, Corre o povo alvorotado; Alarma! surge o inimigo, Ameaçando as muralhas Pelo furor das batalhas Trazendo o crânio queimado. À frente ousado e terrível Vem Nabucodonosor; Nos seus olhos o furor Fuzila; brandindo a lança, Ergue o férreo braço irado, De sangue e morte sedento; E mais veloz do que o vento, Galopa a bradar — vingança! Trava-se a luta medonha. Do inimigo o duro ferro, Como a cascata do Serro, Tudo aniquila veloz; Emaranham-se os guerreiros, Geme o sabre na couraça, É tudo luto e fumaça, Troveja do horror a voz. Sobem aos céus os clamores Das mulheres e crianças, Que, sob o império das lanças, Lastimam-se a triste sorte; Jorra o sangue pelas praças, De mortos juncam-se as ruas, Em corpos e espáduas nuas Tropeça o que escapa à morte. Mas, não basta o extermínio À vingança do Senhor; Do cativeiro na dor Não basta gemer Sião; Infernal chama se ateia, Devasta os tetos pomposos, E os castelos majestosos E o templo de Salomão. III E a nivelar-se ao pó foi a princesa, A formosa cidade de Sião; Como tomba do monte o altivo cedro Ao desabrido sopro do tufão. Silêncio sepulcral, estende as asas Sobre a vasta ruína, fumegante, Quebrado apenas pelo grito agudo Da andorinha, sem ninho, vaga, errante. Negro véu, como crepe de finado Caiu pesado, como noite escura, Sobre o solo, que há pouco adormecia Na soberba, opulência e formosura. Do viajante os olhos não encontram Senão negros vestígios de cidade; Foi Sião, que findou-se, como um ninho Arrancado ao tufão da tempestade. Jerusalém na febre dos prazeres A voz não quis ouvir de Jeremias; Pois sim!... mas viu bem cedo realizadas Do profeta sombrio as profecias. E em vez do canto ardente das orgias, Só se ouviam as aves de rapina; Os povos converteram-se em argila; Sião? — ei-la — confusa e vasta ruína!!!