Virgem dos Últimos Amores

Castro Alves

CENA ÚNICA É noite. A cena representa uma floresta americana. Longe dos fogos sangrentos da tribo. Perto os guerreiros que rodam ao clarão do luar. O prisioneiro espera a noiva POR DETRÁS daquele outeiro A morte espera a manhã! É a morte do guerreiro, Do bravo que não recua!... Geme ao longe a mãe-da-lua, Responde perto a cauã... Nas sombras passa uma sombra!... Balançaram nos cipós!... Pé de moça pisa a alfombra... Da cova enfeitam-lhe as flores... Flor dos últimos amores! Traz o beijo dos heróis! Da lua a teia amarela Estende as malhas de luz... Na riba o caboclo vela Ao rubro fogo da taba... Aqui a murta desaba Mulher! nos teus peitos nus! A lagoa se debruça Pra cair no ribeirão... É minha mie quem soluça? Não sabes filha estrangeira, Tens a trança da palmeira... Palmeira do coração! Foi de jasmins amarelos Que trançaste o canitar! Criança, eu morro de anelos, Dá-me beijo sobre beijo... Tenho um séclo — por desejo! E uma noite — por amar! Amanhã todo este fogo A morte vai apagar, Arranca-me est’alma logo... — Amai! — a noite nos clama — — Enquanto houver uma flama! — Um grito! um sopro! um olhar! Teu sangue ardente galopa Na fronte morna a bater; Teu lábio meu lábio ensopa... Moça! que mel nestes lábios... São das abelhas ressábios? São ressábios do morrer? Pois eu já vi mil gentias Chorar nestes braços meus, Aquelas frutas bravias Não São frutas que embriagam, Teus dedos quando me afagam Parecem dedos dos céus... Existe uma flor na mata Que aparece à noite só: Abre as pétalas de prata, Se espaneja, se colora... Mas, aos fulgores da aurora Murcha, expira, faz-se em pó. Chama-se... o nome qu’mporta? Lembro agora um sonho meu: ... Uma águia tombava morta Das nuvens... na correnteza... Nas garras tinha uma presa Rolando viva... Era eu! Por que derrubas as gotas Do cacho do ouricuri? São tuas miçangas rotas Que rolam na minha frente? Teu colar estava quente... As contas quentes senti! Bem sabes! Se o filho expira, A mãe, que triste o perdeu, Na selva o berço lhe estira Entre a flor, a brisa, a palma... Quando eu morrer, prende estalma Aqui, no cabelo teus Minha noiva derradeira, És bela e triste ao luar! Eu fui a garça altaneira Cruzando as tardes vermelhas... Dos arcos das sobrancelhas Por que frechaste um olhar? Caí! Caí nos teus braços, Dela filha de Tupá! São serpentes teus abraços, Mas são serpentes que beijam!... São lianas que festejam Os galhos de piquiá. Já, mais fria a serenada Resvala pelos bambus... Os ventos da madrugada Vêm da picha, vêm do norte... Não ouves, falando em morte? ... Eu amo os teus ombros nus!... Teus ombros... Mas ficas branca Vendo o céu enbranquecer!? É a alvorada que espanca Os mochos e dentre as flores, Aos pombos arruladores Manda cantar... Vou morrer! Vem! Os astros emurchecem... Só resta um deles nos céus. Seus raios grandes parecem As pétalas da magnólia... É a estrela que se esfolha Quando a noite diz adeus. Fita os olhos nela... um beijo... Um beijo... antes do arrebol!... Inda brilha... inda um desejo... Eia! Ao raio derradeiro!... .................................. Adeus! noiva do guerreiro! Salve, ó morte! Salve, ó sol!!!