IV [Desde a orla do mar]

Sophia de Mello Breyner Andresen

IV Desde a orla do mar Onde tudo começou intacto no primeiro dia de mim Desde a orla do mar Onde vi na areia as pegadas triangulares das gaivotas Enquanto o céu cego de luz bebia o ângulo do seu voo Onde amei com êxtase a cor o peso e a forma necessária das conchas Onde vi desabar ininterruptamente a arquitectura das ondas E nadei de olhos abertos na transparência das águas Para reconhecer a anémona a rocha o búzio a medusa Para fundar no sal e na pedra o eixo recto Da construção possível Desde a sombra do bosque Onde se ergueu o espanto e o não-nome da primeira noite E onde aceitei em meu ser o eco e a dança da consciência múltipla Desde a sombra do bosque desde a orla do mar Caminhei para Delphos Porque acreditei que o mundo era sagrado E tinha um centro Que duas águias definem no bronze de um voo imóvel e pesado Porém quando cheguei o palácio jazia disperso e destruído As águias tinham-se ocultado no lugar da sombra mais antiga A língua torceu-se na boca da Sibila A água que primeiro eu escutei já não se ouvia. Só Antinoos mostrou seu corpo assombrado Seu nocturno meio-dia.