Na cidade da realidade encontrada e amada

Sophia de Mello Breyner Andresen

Na cidade da realidade encontrada e amada Caminhei com a brisa pelas ruas Havia muros brancos e janelas pintadas As madre-silvas floriam e brilhavam Os limoeiros de folhas polidas Caiu uma folha de nespereira sobre o tanque E o tempo vveio ao meu encontro confundindo Os meus gestos e os teus nos seus Eram mil e mil noites uma após outra surgindo E o meu rosto flutuava entre a manhã e a tarde E as esquinas ergueram as suas sombras azuis Ao longo de um silêncio de árabe E do Abril dos campos veio um perfume inteireo de searas E quando abri as portas as estrelas surgiram Na cidade da realidade encontrada e amada O sol dá lentamente a volta às praças e aos quartos Para varrer o chão e preparar a noite Que é redonda azul e atenta E a porta da cidade é feita de dois barcos Oh quem dirá o verde o azul e o fresco O hálito da água e o perfume do vento Vê-se a manhã criar uma por uma cada coisa Vê-se quebrar a onda da noite transparente.