A grande voz

Vinicius de Moraes

É terrível, Senhor! Só a voz do prazer cresce nos ares. Nem mais um gemido de dor, nem mais um clamor de heroísmo Só a miséria da carne, e o mundo se desfazendo na lama da carne. É terrível, Senhor. Desce teus olhos. As almas sãs clamam a tua misericórdia. Elas creem em ti. Creem na redenção do sacrifício. Dize-lhes, Senhor, que és o Deus da Justiça e não da covardia Dize-lhes que o espírito é da luta e não do crime. Dize-lhes, Senhor, que não é tarde! Senhor! Tudo é blasfêmia e tudo é lodo. Se um lembra que amanhã é o dia da miséria Mil gritam que hoje é o dia da carne. Olha, Senhor, antes que seja tarde Abandona um momento os puros e os bem-aventurados Desvia um segundo o teu olhar de Roma Dá remédio a esta infelicidade sem remédio Antes que ela corrompa os bem-aventurados e os puros. Não, meu Deus. Não pode prevalecer o prazer e a mentira. A Verdade é o Espírito. Tu és o Espírito supremo E tu exigiste de Abraão o sacrifício de um filho. Na verdade o que é forte é o que mata se o Espírito exige. É o que sacrifica à causa do bem seu ouro e seu filho. A alma do prazer é da terra. A alma da luta e do espaço. E a alma do espaço aniquilará a alma da terra Para que a Verdade subsista. Talvez, Senhor meu Deus, fora melhor Findar a humanidade esfacelada Com o fogo sagrado de Sodoma. Melhor fora, talvez, lançar teu raio E terminar eternamente tudo. Mas não, Senhor. A morte aniquila — ao fraco a morte inglória. A luta redime — ao forte a luta e a vida. Mais vale, Senhor, a tua piedade Mais vale o teu amor concitando ao combate último. Senhor, eu não compreendo os teus sagrados desígnios. Jeová — tu chamaste à luta os homens fortes Tua mão lançou pragas contra os ímpios Tua voz incitou ao sacrifício da vida as multidões. Jesus — tu pregaste a parábola suave Tu apanhaste na face humildemente E carregaste ao Gólgota o madeiro. Senhor, eu não os compreendo, teus desígnios. Senhor, antes de seres Jesus a humanidade era forte Os homens bons ouviam a doçura da tua voz Os maus sentiam a dureza da tua cólera. E depois, depois que passaste pelo mundo Teu doce ensinamento foi esquecido Tua existência foi negada Veio a treva, veio o horror, veio o pecado Ressuscitou Sodoma. Senhor, a humanidade precisa ouvir a voz de Jeová Os fortes precisam se erguer de armas em punho Contra o mal — contra o fraco que não luta. A guerra, Senhor, é em verdade a lei da vida O homem precisa lutar, porque está escrito Que o Espírito há de permanecer na face da Terra. Senhor! Concita os fortes ao combate Sopra nas multidões inquietas o sopro da luta Precipita-nos no horror da avalancha suprema. Dá ao homem que sofre a paz da guerra Dá à terra cadáveres heroicos Dá sangue quente ao chão! Senhor! Tu que criaste a humanidade. Dize-lhe que o sacrifício será a redenção do mundo E que os fracos hão de perecer nas mãos dos fortes. Dá-lhe a morte no campo de batalha Dá-lhe as grandes avançadas furiosas Dá-lhe a guerra, Senhor! ---