Olhos mortos

Vinicius de Moraes

Algum dia esses olhos que beijavas tanto Numa carícia sem mistérios Olharão para o céu e pararão. Nesse dia nem o teu beijo angelizante Poderá novamente despertá-los. A luz que lhes boiava nas pupilas Tu a verás talvez na face magra Do Cristo prisioneiro entre as mãos crispadas. Eles serão brancos — a imagem desse céu alto e suspenso Que foi a sua última visão. Eles não te dirão mais nada. Não te falarão aquela linguagem extraordinária Que te repousava como uma música longínqua. Não olharão mais nada que uma distância qualquer, longe Uma distância que nem tu nem ninguém saberá qual é. Eles estarão abertos, compreensivos da morte, parados Nem tu conseguirás mais despertá-los. E eu te peço — tu que tanto amavas repousá-los Com a luz clara do teu olhar sem martírios — Não os prendas à angústia triste do teu pranto. Silêncio... silêncio... Beija-os ainda e vai... Deixa-os fitando eternamente o céu. ---