A partida

Vinicius de Moraes

Quero ir-me embora pra estrela  Que vi luzindo no céu  Na várzea do setestrelo.  Sairei de casa à tarde  Na hora crepuscular  Em minha rua deserta  Nem uma janela aberta  Ninguém para me espiar  De vivo verei apenas  Duas mulheres serenas  Me acenando devagar.  Será meu corpo sozinho  Que há de me acompanhar  Que a alma estará vagando  Entre os amigos, num bar.  Ninguém ficará chorando  Que mãe já não terei mais  E a mulher que outrora tinha  Mais que ser minha mulher  É mãe de uma filha minha.  Irei embora sozinho  Sem angústia nem pesar  Antes contente da vida  Que não pedi, tão sofrida  Mas não perdi por ganhar.  Verei a cidade morta  Ir ficando para trás  E em frente se abrirem campos  Em flores e pirilampos  Como a miragem de tantos  Que tremeluzem no alto.  Num ponto qualquer da treva  Um vento me envolverá  Sentirei a voz molhada  Da noite que vem do mar  Chegar-me-ão falas tristes  Como a querer me entristar  Mas não serei mais lembrança  Nada me surpreenderá:  Passarei lúcido e frio  Compreensivo e singular  Como um cadáver num rio  E quando, de algum lugar  Chegar-me o apelo vazio  De uma mulher a chorar  Só então me voltarei  Mas nem adeus lhe darei  No oco raio estelar  Libertado subirei.