A primeira namorada

Vinicius de Moraes

Tu me beijaste, Coisa Triste  Justo durante a elevação  Depois, impávida, partiste  A receber a comunhão.  Tinhas apenas seis ou sete  E isso ou pouco mais eu tinha  E tinha mais: tinhas topete!  - Por que partiste, Coisa Minha?  Foi numa missa da matriz  De Botafogo. Eu disse: "Cruz!  Como é que ela vai agora  Comer o corpo de Jesus..."  Mas tu fizeste, Coisa Linda  Sem a menor hipocrisia  É que eu nem suspeitava ainda  Da tua santropofagia...  Porque nas classes do colégio  Onde a meu lado te sentavas  Tornou-se diário o sacrilégio  Durante as preces: me buscavas.  E o olho cândido na mestra  Que iniciava a aula depois  Acompanhavas a palestra  Cuidando apenas de nós dois.  Mais tarde a gente revezava  E eu procurava tua calcinha  E longamente acariciava  Tua coisinha, Coisa Minha.  Nós ficávamos sérios, sérios  A face rubra mas atenta  - A vida tem tantos mistérios…  Tem ou não tem, Coisa Sardenta?  Depois casei, não com ela...  Mas com meu segundo amor  A mãe de Susana, a bela  E de Pedro, o mergulhador  Morávamos bem ali  Junto à ladeira sombria  Era tanta a poesia  Que quase, quase morri.  As mulheres vinham ver-nos  No nosso ninho de amor  Morte na mira de Vênus  Oxum querendo Xangô  E eu, embora só cuidasse  De amar-te (vê se conferes!)  Era um pobre Lovelace...  Não resistia às mulheres.  Mas foste (e fui) tão feliz  Nos nossos grandes momentos  Que não lamento o que fiz  Nem tenho arrependimentos.  Deste-me dois filhos lindos  E todo o amor que tens: eu  Embora às vezes mentindo  Nunca dava o que era só teu.