A que vem de longe

Vinicius de Moraes

A minha amada veio de leve  A minha amada veio de longe  A minha amada veio em silêncio          Ninguém se iluda.  A minha amada veio da treva  Surgiu da noite qual dura estrela  Sempre que penso no seu martírio          Morro de espanto.  A minha amada veio impassível  Os pés luzindo de luz macia  Os alvos braços em cruz abertos          Alta e solene.  Ao ver-me posto, triste e vazio  Num passo rápido a mim chegou-se  E com singelo, doce ademane          Roçou-me os lábios.  Deixei-me preso ao seu rosto grave  Preso ao seu riso no entanto ausente  Inconsciente de que chorava          Sem dar-me conta.  Depois senti-lhe o tímido tato  Dos lentos dedos tocar-me o peito  E as unhas longas se me cravarem          Profundamente.  Aprisionado num só meneio  Ela cobriu-me de seus cabelos  E os duros lábios no meu pescoço          Pôs-se a sugar-me.  Muitas auroras transpareceram  Do meu crescente ficar exangue  Enquanto a amada suga-me o sangue          Que é a luz da vida.