História passional, Hollywood, Califórnia

Vinicius de Moraes

Preliminarmente, telegrafar-te-ei uma dúzia de rosas Depois te levarei a comer um shop-suey Se a tarde também for loura abriremos a capota Teus cabelos ao vento marcarão oitenta milhas. Dar-me-ás um beijo com batom marca indelével E eu pegarei tua coxa rija como a madeira Sorrirás para mim e eu porei óculos escuros Ante o brilho de teus dois mil dentes de esmalte. Mascaremos cada um uma caixa de goma E iremos ao Chinese cheirando a hortelã-pimenta A cabeça no meu ombro sonharás duas horas Enquanto eu me divirto no teu seio de arame. De novo no automóvel perguntarei se queres Me dirás que tem tempo e me darás um abraço Tua fome reclama uma salada mista Verei teu rosto através do suco de tomate. Te ajudarei cavalheiro com o abrigo de chinchila Na saída constatarei tuas nylon 57 Ao andares, algo em ti range em dó sustenido Pelo andar em que vais sei que queres dançar rumba. Beberás vinte uísques e ficarás mais terna Dançando sentirei tuas pernas entre as minhas Cheirarás levemente a cachorro lavado Possuis cem rotações de quadris por minuto. De novo no automóvel perguntarei se queres Me dirás que hoje não, amanhã tens filmagem Fazes a cigarreira num clube de má fama E há uma cena em que vendes um maço a George Raft. Telegrafar-te-ei então uma orquídea sexuada No escritório esperarei que tomes sal de frutas Vem-te um súbito desejo de comida italiana Mas queres deitar cedo, tens uma dor de cabeça! À porta de tua casa perguntarei se queres Me dirás que hoje não, vais ficar dodói mais tarde De longe acenarás um adeus sutilíssimo Ao constatares que estou com a bateria gasta. Dia seguinte esperarei com o rádio do carro aberto Te chamando mentalmente de galinha e outros nomes Virás então dizer que tens comida em casa De avental abrirei latas e enxugarei pratos. Tua mãe perguntará se há muito que sou casado Direi que há cinco anos e ela fica calada Mas como somos moços, precisamos divertir-nos Sairemos de automóvel para uma volta rápida. No alto de uma colina perguntar-te-ei se queres Me dirás que nada feito, estás com uma dor do lado Nervoso meus cigarros se fumarão sozinhos E acabo machucando os dedos na tua cinta. Dia seguinte vens com um suéter elástico Sapatos mocassim e meia curta vermelha Te levo pra dançar um ligeiro jitterbug Teus vinte deixam os meus trinta e pouco cansados. Na saída te vem um desejo de boliche Jogas na perfeição, flertando o moço ao lado Dás o telefone a ele e perguntas se me importo Finjo que não me importo e dou saída no carro. Estás louca para tomar uma coca gelada Debruças-te sobre mim e me mordes o pescoço Passo de leve a mão no teu joelho ossudo Perdido de repente numa grande piedade. Depois pergunto se queres ir ao meu apartamento Me matas a pergunta com um beijo apaixonado Dou um soco na perna e aperto o acelerador Finges-te de assustada e falas que dirijo bem. Que é daquele perfume que eu te tinha prometido? Compro o Chanel 5 e acrescento um bilhete gentil “Hoje vou lhe pagar um jantar de vinte dólares E se ela não quiser, juro que não me responsabilizo...” Vens cheirando a lilás e com saltos, meu Deus, tão altos Que eu fico lá embaixo e com um ar avacalhado Dás ordens ao garçom de caviar e champanha Depois arrotas de leve me dizendo I beg your pardon. No carro distraído deixo a mão na tua perna Depois vou te levando para o alto de um morro Em cima tiro o anel, quero casar contigo Dizes que só acedes depois do meu divórcio. Balbucio palavras desconexas e esdrúxulas Quero romper-te a blusa e mastigar-te a cara Não tens medo nenhum dos meus loucos arroubos E me destroncas o dedo com um golpe de jiu-jítsu. Depois tiras da bolsa uma caixa de goma E mascas furiosamente dizendo barbaridades Que é que eu penso que és, se não tenho vergonha De fazer tais propostas a uma moça solteira. Balbucio uma desculpa e digo que estava pensando... Falas que eu pense menos e me fazes um agrado Me pedes um cigarro e riscas o fósforo com a unha E eu fico boquiaberto diante de tanta habilidade. Me pedes para te levar a comer uma salada Mas de súbito me vem uma consciência estranha Vejo-te como uma cabra pastando sobre mim E odeio-te de ruminares assim a minha carne. Então fico possesso, dou-te um murro na cara Destruo-te a carótida a violentas dentadas Ordenho-te até o sangue escorrer entre meu dedos E te possuo assim, morta e desfigurada. Depois arrependido choro sobre o teu corpo E te enterro numa vala, minha pobre namorada... Fujo mas me descobrem por um fio de cabelo E seis meses depois morro na câmara de gás.