Soneto de um domingo

Vinicius de Moraes

Em casa há muita paz por um domingo assim. A mulher dorme, os filhos brincam, a chuva cai... Esqueço de quem sou para sentir-me pai E ouço na sala, num silêncio ermo e sem fim, Um relógio bater, e outro dentro de mim... Olho o jardim úmido e agreste: isso distrai Vê-lo, feroz, florir mesmo onde o sol não vai A despeito do vento e da terra que é ruim. Na verdade é o infinito essa casa pequena Que me amortalha o sonho e abriga a desventura E a mão de uma mulher fez simples, pura e amena. Deus que és pai como eu e a estimas, porventura: Quando for minha vez, dá-me que eu vá sem pena Levando apenas esse pouco que não dura. Rio, setembro de 1944