Ah, como eram belos neste instante os ermos marítimos…

Vinicius de Moraes

Quarta-Feira da Paixão Ah, como eram belos neste instante os ermos marítimos  E como era misterioso e distante o poente da cinza  Que como um fato, oculto nos pálidos confins  Abria a pupila amarela da Lua, em carícias e ritmos...  E ela veio até mim, diáfana, por entre a teia  Da neblina, e eu, lírico de emoção, prendi-a, e amei-a  E nas bordas do mar, entre os sussurros de outras vagas  Confiei-lhe os carinhos da outra amiga, de outras plagas...  No entanto fiquei, entre o horizonte leve e a noite leve  O corpo atento e o gesto breve, sobre a areia  E o mar, verde como o meu desejo, me trazia a sereia  Que vinha sem cantos, e com encantos que a voz não descreve.  Lembro-me até que os seus seios eram brancos como a borracha  E nela se prendiam as algas da maré baixa  E que o seu sexo era puro e alto, e negro  O pêlo sedoso que o vestia, e cuja fartura me alegrou.  No amor, seu corpo agonizara em mil transportes  E seu gozo vibrava em Betelgeuse, a estrela  Que alta, no espelho do céu, era o infinito dela  Assim como uma vida é o espelho de mil mortes.  E depois, quando ela se foi, sem remorso e sem vida  Já nada mais restava da amiga desmerecida  E era como se o oceano verde, a murmurar de novo  Contivesse todo o meu afeto, e o meu desejo, e o meu segredo…  E foi num dia, como eu estivesse a apascentar  A minha tristíssima poesia, pelas campinas cérulas do mar  Que veio e fugiu uma cigana, visão de luz e ouro  E que tinha olhos azuis amanhecendo um véu louro...