O mergulhador

Vinicius de Moraes

E il naufragar m'è dolce in questo mare  Leopardi  Como, dentro do mar, libérrimos, os polvos  No líquido luar tateiam a coisa a vir  Assim, dentro do ar, meus lentos dedos loucos  Passeiam no teu corpo a te buscar-te a ti.  És a princípio doce plasma submarino  Flutuando ao sabor de súbitas correntes  Frias e quentes, substância estranha e íntima  De teor irreal e tato transparente.  Depois teu seio é a infância, duna mansa  Cheia de alísios, marco espectral do istmo  Onde, a nudez vestida só de lua branca  Eu ia mergulhar minha face já triste.  Nele soterro a mão como a cravei criança  Noutro seio de que me lembro, também pleno...  Mas não sei... o ímpeto deste é doído e espanta  O outro me dava vida, este me mete medo.  Toco uma a uma as doces glândulas em feixes  Com a sensação que tinha ao mergulhar os dedos  Na massa cintilante e convulsa de peixes  Retiradas ao mar nas grandes redes pensas.  E ponho-me a cismar… - mulher, como te expandes!  Que imensa és tu! maior que o mar, maior que a infância!  De coordenadas tais e horizontes tão grandes  Que assim imersa em amor és uma Atlântida!  Vem-me a vontade de matar em ti toda a poesia  Tenho-te em garra; olhas-me apenas; e ouço  No tato acelerar-se-me o sangue, na arritmia  Que faz meu corpo vil querer teu corpo moço.  E te amo, e te amo, e te amo, e te amo  Como o bicho feroz ama, a morder, a fêmea  Como o mar ao penhasco onde se atira insano  E onde a bramir se aplaca e a que retorna sempre.  Tenho-te e dou-me a ti válido e indissolúvel  Buscando a cada vez, entre tudo o que enerva  O imo do teu ser, o vórtice absoluto  Onde possa colher a grande flor da treva.  Amo-te os longos pés, ainda infantis e lentos  Na tua criação; amo-te as hastes tenras  Que sobem em suaves espirais adolescentes  E infinitas, de toque exato e frêmito.  Amo-te os braços juvenis que abraçam  Confiantes meu criminoso desvario  E as desveladas mãos, as mãos multiplicantes  Que em cardume acompanham o meu nadar sombrio.  Amo-te o colo pleno, onda de pluma e âmbar  Onda lenta e sozinha onde se exaure o mar  E onde é bom mergulhar até romper-me o sangue  E me afogar de amor e chorar e chorar.  Amo-te os grandes olhos sobre-humanos  Nos quais, mergulhador, sondo a escura voragem  Na ânsia de descobrir, nos mais fundos arcanos  Sob o oceano, oceanos; e além, a minha imagem.  Por isso - isso e ainda mais que a poesia não ousa  Quando depois de muito mar, de muito amor  Emergindo de ti, ah, que silêncio pousa  Ah, que tristeza cai sobre o mergulhador!