Balada do mangue

Vinicius de Moraes

Pobres flores gonocócicas  Que à noite despetalais  As vossas pétalas tóxicas!  Pobre de vós, pensas, murchas  Orquídeas do despudor  Não sois Lœlia tenebrosa  Nem sois Vanda tricolor:  Sois frágeis, desmilingüidas  Dálias cortadas ao pé  Corolas descoloridas  Enclausuradas sem fé,  Ah, jovens putas das tardes  O que vos aconteceu  Para assim envenenardes  O pólen que Deus vos deu?  No entanto crispais sorrisos  Em vossas jaulas acesas  Mostrando o rubro das presas  Falando coisas do amor  E às vezes cantais uivando  Como cadelas à lua  Que em vossa rua sem nome  Rola perdida no céu...  Mas que brilho mau de estrela  Em vossos olhos lilases  Percebo quando, falazes,  Fazeis rapazes entrar!  Sinto então nos vossos sexos  Formarem-se imediatos  Os venenos putrefatos  Com que os envenenar  Ó misericordiosas!  Glabras, glúteas caftinas  Embebidas em jasmim  Jogando cantos felizes  Em perspectivas sem fim  Cantais, maternais hienas  Canções de caftinizar  Gordas polacas serenas  Sempre prestes a chorar.  Como sofreis, que silêncio  Não deve gritar em vós  Esse imenso, atroz silêncio  Dos santos e dos heróis!  E o contraponto de vozes  Com que ampliais o mistério  Como é semelhante às luzes  Votivas de um cemitério  Esculpido de memórias!  Pobres, trágicas mulheres  Multidimensionais  Ponto morto de choferes  Passadiço de navais!  Louras mulatas francesas  Vestidas de carnaval:  Viveis a festa das flores  Pelo convés dessas ruas  Ancoradas no canal?  Para onde irão vossos cantos  Para onde irá vossa nau?  Por que vos deixais imóveis  Alérgicas sensitivas  Nos jardins desse hospital  Etílico e heliotrópico?  Por que não vos trucidais  Ó inimigas? ou bem  Não ateais fogo às vestes  E vos lançais como tochas  Contra esses homens de nada  Nessa terra de ninguém!