Balanço do filho morto

Vinicius de Moraes

Homem sentado na cadeira de balanço Sentado na cadeira de balanço Na cadeira de balanço De balanço Balanço do filho morto. Homem sentado na cadeira de balanço Todo o teu corpo diz que sim Teu corpo diz que sim Diz que sim Que sim, teu filho está morto. Homem sentado na cadeira de balanço Como um pêndulo, para lá e para cá O pescoço fraco, a perna triste Os olhos cheios de areia Areia do filho morto. Nada restituirá teu filho à vida Homem sentado na cadeira de balanço Tua meia caída, tua gravata Sem nó, tua barba grande São a morte     são a morte A morte do filho morto. Silêncio de uma sala: e flores murchas. Além um pranto frágil de mulher Um pranto... o olhar aberto sobre o vácuo E no silêncio a sensação exata Da voz, do riso, do reclamo débil. Da órbita cega os olhos dolorosos Fogem, moles, se arrastam como lesmas Empós a doce, inexistente marca Do vômito, da queda, da mijada. Do braço foge a tresloucada mão Para afagar a imponderável luz De um cabelo sem som e sem perfume. Fogem da boca lábios pressurosos Para o beijo incolor na pele ausente. Nascem ondas de amor que se desfazem De encontro à mesa, à estante, à pedra mármore. Outra coisa não há senão o silêncio Onde com pés de gelo uma criança Brinca, perfeitamente transparente Sua carne de leite, rosa e talco. Pobre pai, pobre, pobre, pobre, pobre Sem memória, sem músculo, sem nada Além de uma cadeira de balanço No infinito vazio... o sofrimento Amordaçou-te a boca de amargura E esbofeteou-te palidez na cara. Ergues nos braços uma imagem pura E não teu filho; jogas para cima Um bocado de espaço e não teu filho Não são cachos que sopras, porém cinzas A asfixiar o ar onde respiras. Teu filho é morto; talvez fosse um dia A pomba predileta, a glória, a messe O teu porvir de pai; mas novo e tenro Anjo, levou-o a morte com cuidado De vê-lo tão pequeno e já exausto De penar — e eis que agora tudo é morte Em ti, não tens mais lágrimas, e amargo É o cuspo do cigarro em tua boca. Mas deixa que eu te diga, homem temente Sentado na cadeira de balanço Eu que moro no abismo, eu que conheço O interior da entranha das mulheres Eu que me deito à noite com os cadáveres E liberto as auroras do meu peito: Teu filho não morreu! a fé te salva Para a contemplação da sua face Hoje tornada a pequenina estrela Da tarde, a jovem árvore que cresce Em tua mão: teu filho não morreu! Uma eterna criança está nascendo Da esperança de um mundo em liberdade. Serão teus filhos, todos, homem justo Iguais ao filho teu; tira a gravata Limpa a unha suja, ergue-te, faz a barba Vai consolar tua mulher que chora... E que a cadeira de balanço fique Na sala, agora viva, balançando O balanço final do filho morto.