Cemitério marinho

Vinicius de Moraes

Tal como anjos em decúbito  A conversar com o céu baixinho  Existem cerca de cem túmulos  Num lindo cemiteriozinho  Que eu, a passeio, descobri  Um dia em Sidi Bou Said.  Mal defendidos por uns muros  Erguidos ao sabor da morte  Eu nunca vi mortos tão puros  Mortos assim com tanta sorte  As lajes de cal como túnicas  Brancas, e árabes; não púnicas.  Sim, porque cemiteriozinho  Nunca se viu assim tão árabe  Feito o beduíno que é sozinho  Ante o deserto que lhe cabe  E mudo em face do horizonte  Sem uma sombra que o confronte.  Pequenos paralelepípedos  Fendidos uns, conforme o sexo  Eis suas lápides: antípodas  Das que se vêem num cemitério  De gente do nosso pigmento:  Os nossos mortos de cimento.  Quem se deixar de tarde ali  Isento de mágoa ou conflito  A olhar o mar (sem Valéry!)  Como um espelho de infinito  E o céu como um anti-recôncavo:  Como o convexo de um côncavo  Acabará (comigo deu-se!)  Ouvindo os mortos cochicharem  Alegremente, eles e Deus  Mas não o nosso: o Deus dos árabes  Que não fez Sidi Bou Said  Para os prazeres de André Gide  Mas sim porque a vida segue  E o tempo pára, e a morte é um canto  Porque morrer é coisa alegre  Para quem vive e sofre tanto  Como no cemiteriozinho, ali  Ao céu de Sidi Bou Said.  Sidi Bou Said, outubro de 1963  Florença, novembro de 1963