O vale do paraíso

Vinicius de Moraes

Quando vier de novo o céu de maio largando estrelas Eu irei, lá onde os pinheiros recendem nas manhãs úmidas Lá onde a aragem não desdenha a pequenina flor das encostas Será como sempre, na estrada vermelha a grande pedra recolherá sol E os pequenos insetos irão e virão, e longe um cão ladrará E nos tufos dos arbustos haverá enredados de orvalho nas teias de aranha. As montanhas, vejo-as iluminadas, ardendo no grande sol amarelo As vertentes algodoadas de neblina, lembro-as suspendendo árvores nas nuvens As matas, sinto-as ainda vibrando na comunhão das sensações Como uma epiderme verde, porejada. Na eminência a casa estará rindo no lampejar dos vidros das suas mil janelas A sineta tocará matinas e a presença de Deus não permitirá a Ave-Maria Apenas a poesia estará nas ramadas que entram pela porta E a água estará fria e todos correrão pela grama E o pão estará fresco e os olhos estarão satisfeitos. Eu irei, será como sempre, nunca o silêncio sem remédio das insônias O vento cantará nas frinchas e os grilos trilarão folhas secas E haverá coaxos distantes a cada instante Depois as grandes chuvas encharcando o barro e esmagando a erva E batendo nas latas vagas monotonias de cidade. Eu me recolherei um minuto e escreverei: — “Onde estará a volúpia?...” E as borboletas se fecundando não me responderão. Será como sempre, será a altura, será a proximidade da suprema inexistência Lá onde à noite o frio imobiliza a luz cadente das estrelas Lá onde eu irei. ---