Noturnamente - se me lembro! como que a estranha carga se diluía de meus ombros ante as irradiações esplêndidas
E desembaraçado eu seguia através as cidades se abrindo ao sésamo misterioso do meu sangue batendo
E chegava mesmo a perseguir as belas éguas cuja pele branca avultava na claridade mágica
E fugiam balançando os peitos e o flanco rasgado onde a fecundidade eu via.
Mas quando chegava a satisfazer o ímpeto que me arrastava como um desesperado pelas ruas
E voltava vazio como se tivesse matado a alma nos estrangulamentos da carne rígida
Subitamente sentia de novo a carga me fazendo vergar o rosto para a terra
E o chicote me cortava as faces e o espírito esporeado galopava éguas na treva.
Pelos dias eu vou - e a minha sombra fareja o caminho - mas quando meu pensamento chega a minha alma já está
Um momento eu bebo o instante certo de que será para sempre - ó os campos onde estarei sozinho!
No entanto obrigam-me a andar - ai de mim, é demais! porque eu sei que aquele pio de ave é o grito dos sertões desaparecidos
E aquela pedra de forma estranha é a montanha escancarada e aquele torrão de terra é a sede nas fontes.
Às vezes um ruído me assalta e eu paro e escuto - um fraco farfalhar de folhas - tremo
Temo os dolorosos ecos das grotas, os luares e as águas que escorrem ocultas e eternas
Sei que entre os líríos das encostas há víboras que espreitam e sei que é frágil a margem dos precipícios
Mas o pior castigo é ter que seguir pelo solo seguro e infinito do meio das estradas
Porque há muito tempo eu sou a alimária de um anjo cuja missão eu desconheço
Um anjo de grande sombra informe que se confunde com a treva da minha caminhada
E cujo riso fúnebre me apavora quando a garra da luxúria me amargura os membros
E cuja ira me condena ao castigo de um arrependimento solitário e eterno.