A perdida esperança

Vinicius de Moraes

Paris De posse deste amor que é, no entanto, impossível  Este amor esperado e antigo como as pedras  Eu encouraçarei o meu corpo impassível  E à minha volta erguerei um alto muro de pedras.  E enquanto perdurar tua ausência, que é eterna  Por isso que és mulher, mesmo sendo só minha  Eu viverei trancado em mim como no inferno  Queimando minha carne até sua própria cinza.  Mas permanecerei imutável e austero  Certo de que, de amor, sei o que ninguém soube  Como uma estátua prisioneira de um castelo  A mirar sempre além do tempo que lhe coube.  E isento ficarei das antigas amadas  Que, pela Lua cheia, em rápidas sortidas  Ainda vêm me atirar flechas envenenadas  Para depois beber-me o sangue das feridas.  E assim serei intacto, e assim serei tranqüilo  E assim não sofrerei da angústia de revê-las  Quando, tristes e fiéis como lobas no cio  Se puserem a rondar meu castelo de estrelas.  E muito crescerei em alta melancolia  Todo o canto meu, como o de Orfeu pregresso  Será tão claro, de uma tão simples poesia  Que há de pacificar as feras do deserto.  Farto de saber ler, saberei ver nos astros  A brilharem no azul da abóbada no Oriente  E beijarei a terra, a caminhar de rastros  Quando a Lua no céu contar teu rosto ausente.  Eu te protegerei contra o Íncubo  Que te espreita por trás da Aurora acorrentada  E contra a legião dos monstros do Poente  Que te querem matar, ó impossível amada!