O bom pastor

Vinicius de Moraes

Amo andar pelas tardes sem som, brandas, maravilhosas Com riscos de andorinhas pelo céu. Amo ir solitário pelos caminhos Olhando a tarde parada no tempo Parada no céu como um pássaro em voo E que vem de asas largas se abatendo. Amo desvendar a vaga penumbra que desce Amo sentir o ar sem movimento, a luz sem vida Tudo interiorizado, tudo paralisado na oração calma... Amo andar nessas tardes... Sinto-me penetrando o sereno vazio de tudo Como um raio de luz. Cresço, projeto-me ao infinito, agigantado Para consolar as árvores angustiadas E acalmar os pinheiros moribundos. Desço aos vales como uma sombra de montanha Buscando poesia nos rios parados. Sou como o bom-pastor da natureza Que recolhe a alma do seu rebanho No agasalho da sua alma... E amo voltar Quando tudo não é mais que uma saudade Do momento suspenso que foi... Amo voltar quando a noite palpita Nas primeiras estrelas claras... Amo vir com a aragem que começa a descer das montanhas Trazendo cheiros agrestes de selva... E pelos caminhos já percorridos, voltando com a noite Amo sonhar... ---