Desert Hot Springs

Vinicius de Moraes

Na piscina pública de Desert Hot Springs O homem, meu heroico semelhante Arrasta pelo ladrilho deformidades insolúveis. Nesta, como em outras lutas Sua grandeza reveste-se de uma humilde paciência E a dor física esconde sua ridícula pantomima Sob a aparência de unhas feitas, lábios pintados e outros artifícios de vaidade. Macróbios espetaculares Espapaçam ao sol as juntas espinhosas como cactos Enquanto adolescências deletérias passeiam nas águas balsâmicas Seus corpos, ah, seus corpos incapazes de nunca amar. As cálidas águas minerais Com que o deserto impôs às Câmaras de Comércio Sua dura beleza outramente inabitável Acariciam aleivosamente seios deflatados Pernas esquálidas, gótico americano De onde protuberam dolorosas cariátides patológicas. Às bordas da piscina A velhice engruvinhada morcega em posições fetais Enquanto a infância incendida atira-se contra o azul Estilhaçando gotas luminosas e libertando rictos De faces mumificadas em sofrimentos e lembranças. A Paralisia Infantil, a quem foi poupada um rosto talvez belo Inveja, de seu líquido nicho, a Asma tensa e esquelética Mas que conseguiu despertar o interesse do Reumatismo Deformante. Deitado num banco de pedra, a cabeça no colo de sua mãe, o olhar infinitamente ausente Um blue boy extingue em longas espirais invisíveis A cera triste de sua matéria inacabada — a culpa hereditária Transformou a moça numa boneca sem cabimento. O banhista, atlético e saudável Recolhe periodicamente nos braços os despojos daquelas vidas Coloca-os em suas cadeiras de rodas, devolve-os a guardiães expectantes. E lá se vão eles a enfrentar o que resta de mais um dia E dos abismos de memória, sentados contra o deserto O grande deserto nu e só, coberto de calcificações anômalas E arbustos ensimesmados; o grande deserto antigo e áspero Testemunha das origens; o grande deserto em luta permanente contra a morte Habitado por plantas e bichos que ninguém sabe como vivem Varado por ventos que vêm ninguém sabe donde.