Os quatro elementos

Vinicius de Moraes

I – O FOGO O sol, desrespeitoso do equinócio Cobre o corpo da Amiga de desvelos Amorena-lhe a tez, doura-lhe os pelos Enquanto ela, feliz, desfaz-se em ócio. E ainda, ademais, deixa que a brisa roce O seu rosto infantil e os seus cabelos De modo que eu, por fim, vendo o negócio Não me posso impedir de pôr-me em zelos. E pego, encaro o Sol com ar de briga Ao mesmo tempo que, num desafogo Proibo-a formalmente que prossiga Com aquele dúbio e perigoso jogo... E para protegê-la, cubro a Amiga Com a sombra espessa do meu corpo em fogo. II – A TERRA Um dia, estando nós em verdes prados Eu e a Amada, a vagar, gozando a brisa Ei-la que me detém nos meus agrados E abaixa-se, e olha a terra, e a analisa Com face cauta e olhos dissimulados E, mais, me esquece; e, mais, se interioriza Como se os beijos meus fossem mal dados E a minha mão não fosse mais precisa. Irritado, me afasto; mas a Amada À minha zanga, meiga, me entretém Com essa astúcia que o sexo lhe deu. Mas eu que não sou bobo, digo nada... Ah, é assim... (só penso) Muito bem: Antes que a terra a coma, como eu. III –O AR Com mão contente a Amada abre a janela Sequiosa de vento no seu rosto E o vento, folgazão, entra disposto A comprazer-se com a vontade dela. Mas ao tocá-la e constatar que bela E que macia, e o corpo que bem-posto O vento, de repente, toma gosto E por ali põe-se a brincar com ela. Eu a princípio, não percebo nada... Mas ao notar depois que a Amada tem Um ar confuso e uma expressão corada A cada vez que o velho vento vem Eu o expulso dali, e levo a Amada: Também brinco de vento muito bem! IV – A ÁGUA A água banha a Amada com tão claros Ruídos, morna de banhar a Amada Que eu, todo ouvidos, ponho-me a sonhar Os sons como se foram luz vibrada. Mas são tais os cochichos e descaros Que, por seu doce peso deslocada Diz-lhe a água, que eu friamente encaro Os fatos, e disponho-me à emboscada. E aguardo a Amada. Quando sai, obrigo-a A contar-me o que houve entre ela e a água: — Ela que me confesse! Ela que diga! E assim arrasto-a à câmara contígua Confusa de pensar, na sua mágoa Que não sei como a água é minha amiga. Montevidéu, abril de 1960