Balada da moça do Miramar

Vinicius de Moraes

Silêncio da madrugada No Edifício Miramar... Sentada em frente à janela Nua, morta, deslumbrada Uma moça mira o mar. Ninguém sabe quem é ela Nem ninguém há de saber Deixou a porta trancada Faz bem uns dois cinco dias Já começa a apodrecer Seus ambos joelhos de âmbar Furam-lhe o branco da pele E a grande flor do seu corpo Destila um fétido mel. Mantém-se extática em face Da aurora em elaboração Embora formigas pretas Que lhe entram pelos ouvidos Se escapem por umas gretas Do lado do coração. Em volta é segredo: e móveis Imóveis na solidão... Mas apesar da necrose Que lhe corrói o nariz A moça está tão sem pose Numa ilusão tão serena Que, certo, morreu feliz. A vida que está na morte Os dedos já lhe comeu Só lhe resta um aro de ouro Que a morte em vida lhe deu Mas seu cabelo de ouro Rebrilha com tanta luz Que a sua caveira é bela E belo é seu ventre louro E seus pelinhos azuis. De noite é a lua quem ama A moça do Miramar Enquanto o mar tece a trama Desse conúbio lunar Depois é o sol violento O sol batido de vento Que vem com furor violeta A moça violentar. Muitos dias se passaram Muitos dias passarão À noite segue-se o dia E assim os dias se vão E enquanto os dias se passam Trazendo a putrefação À noite coisas se passam... A moça e a lua se enlaçam Ambas mortas de paixão. Ah, morte do amor do mundo Ah, vida feita de dar Ah, sonhos sempre nascendo Ah, sonhos sempre a acabar Ah, flores que estão crescendo Do fundo da podridão Ah, vermes, morte vivendo Nas flores ainda em botão Ah, sonhos, ah, desesperos Ah, desespero de amar Ah, vida sempre morrendo Ah, moça do Miramar!