Rua da amargura

Vinicius de Moraes

A minha rua é longa e silenciosa como um caminho que foge E tem casas baixas que ficam me espiando de noite Quando a minha angústia passa olhando o alto. A minha rua tem avenidas escuras e feias De onde saem papéis velhos correndo com medo do vento E gemidos de pessoas que estão eternamente à morte. A minha rua tem gatos que não fogem e cães que não ladram Tem árvores grandes que tremem na noite silente Fugindo as grandes sombras dos pés aterrados. A minha rua é soturna... Na capela da igreja há sempre uma voz que murmura louvemos Sozinha e prostrada diante da imagem Sem medo das costas que a vaga penumbra apunhala. A minha rua tem um lampião apagado Na frente da casa onde a filha matou o pai Porque não queria ser dele. No escuro da casa só brilha uma chapa gritando quarenta. A minha rua é a expiação de grandes pecados De homens ferozes perdendo meninas pequenas De meninas pequenas levando ventres inchados De ventres inchados que vão perder meninas pequenas. É a rua da gata louca que mia buscando os filhinhos nas portas das casas. É a impossibilidade de fuga diante da vida É o pecado e a desolação do pecado É a aceitação da tragédia e a indiferença ao degredo Como negação do aniquilamento. É uma rua como tantas outras Com o mesmo ar feliz de dia e o mesmo desencontro de noite. É a rua por onde eu passo a minha angústia Ouvindo os ruídos subterrâneos como ecos de prazeres inacabados. É a longa rua que me leva ao horror do meu quarto Pelo desejo de fugir à sua murmuração tenebrosa Que me leva à solidão gelada do meu quarto... Rua da amargura... ---