Senhor, eu não sou digno

Vinicius de Moraes

Para que cantarei nas montanhas sem eco As minhas louvações? A tristeza de não poder atingir o infinito Embargará de lágrimas a minha voz. Para que entoarei o salmo harmonioso Se tenho na alma um de-profundis? Minha voz jamais será clara como a voz das crianças Minha voz tem as inflexões dos brados de martírio Minha voz enrouqueceu no desespero... Para que cantarei Se em vez de belos cânticos serenos A solidão escutará gemidos? Antes ir. Ir pelas montanhas sem eco Pelas montanhas sem caminho Onde a voz fraca não irá. Antes ir — e abafar as louvações no peito Ir vazio de cantos pela vida Ir pelas montanhas sem eco e sem caminho, pelo silêncio Como o silêncio que caminha... ---