Versos soltos no mar

Vinicius de Moraes

1  O ritmo, mar, o ritmo, o verso, o verso!  2  Dá ao meu verso, mar, a ligeireza,  a graça de teu ritmo renovado.  3  Eu sou, mar, tu bem sabes, teu discípulo.  Que nunca digas, mar, que não foste meu mestre  4  Cantam em mim, ó mestre mar, metendo-se  pelos largos canais que há nos meus ossos,  das tuas que são como ondas mestras,  que a ti voltam de novo num unido,  só e mesclado mar de minha boca  Gil Vicente, Machado, [ ... ]  Baudelaire, Juan Ramon, Rubén Darío,  Pedro Espinosa, Góngora... e as fontes  que em minha aldeia cantam pelas praças.  5  Sento-me, mar, a ouvir-te  Te sentarias tu, mar, para escutar-me?  6  Tens a vaidade, o desmedido orgulho  de saber que meus versos são sempre em teu louvor.  7  Vais largando, praia, terra que te susteve.  8  Nada em teu coração, nada em teu ventre.  9  Equivocado, o mar solta uma andorinha.  10  Rompe o mar tamarindos pela espuma.  11  Guano marinheiro: "venta" de humilde mar "varado".  "Venta" de pobres ventos,  de modestos crepúsculos,  de albas arruinadas.  12  Preamar silencioso de meus mortos.  Ellos, quizás, los que os están limando,  Eles, talvez, os que vos vão limando  ruivas rochas distantes.  13  Se te escutasses, mar, se tua linguagem  pudesse, mar, ser outra,  que palavras dirias?  14  De qualquer modo, mar, soas o mesmo  e continuas parecendo com teu velho retrato.  15  Mar; às vezes, sentado não se sabe em que assento.  16  Vê-se que, mesmo querendo,  mar forçudo, não podes.  17  Aqui jaz o mar. Nem ele mesmo  soube jamais o número de ondas  que desfez o seu sonho.  18  Aqui jaz o mar. Gostaria  de ter sido marinheiro, desde menino.  19  Aqui jaz o mar. Ninguém teve,  como ele, um caixão  pregado com estrelas.  20  Aqui jaz o mar. A morte  sentada ereta, na praia, a contemplá-lo.  21  Aqui jaz o mar. Devesse  jazer também o céu sobre seu túmulo.  22  O mar morreu. Não tinha  para o amor mais força que a de um menino.  23  Quem seria, mar, capaz de escrever-te o epitáfio?  24  Quero, mar, que em meu dia,  que resta, hoje mesmo  morras tu também.  25  Cada manhã e o mar fecha os dentes.  26  Hoje, mar, amanheceste com mais meninos que ondas.  27  Sim, mar, eu sei, tu és para mim a outra margem.  28  Mas me disseste, mar, mar  mar do colégio, mar dos telhados  que outras praias tuas, tão distantes,  ia eu chorar, sedado, mar, por ti,  mar do colégio, mar dos telhados.  29  Decerto te botei, mar guri, em minha frente  e ali foste crescendo em ondulagem  até que te fizeste mulher  e homem ao mesmo tempo.  30  Menino, eu queria patinar em tuas ondas,  mar do Sul, impossível ao coração de gelo.  31  Menino mar, não sabes?  ele te pintava sempre a aquarela.  32  Sábado o mar solta um cavalo branco...  e deixaste dormindo.  33  És de súbito, igual a uma criada  velha, gruñona e doce, que tinha minha mãe  34  A areia, quente  Geladas as ondas.  Os que morreram  Maruja, vão te chamar.  35  Ferozes leões.  Furiosos cavalos.  Mas se são de espuma  Quem pode domá-los?  36  Inclinei-me para ver o mar. E vi apenas  uma mulher chorando  contra o quarto minguante de uma lua crescente.  37  Mar, andei à tua procura  esse imortal sorriso...  porém não o encontrei.  38  Rico, até mesmo sem ver, de suspiros mortos.  39  Saíste de ti mesmo, levando contigo a praia...  mas te horrorizaste de ti mesmo, e voltaste.  40  Que estás pensando, mar dos veranistas?  41  Tu gostarias, mar, de andar de bicicleta,  dar um grande passeio pelas namblas  alugar uma barraca verde  e "cumbar-te" na praia  como um mar qualquer  descansando do banho?