O Navio Negreiro, Tragédia no Mar (IV)

Castro Alves

Era um sonho dantesco... O tombadilho Que das luzernas avermelha o brilho, Em sangue a se banhar. Tinir de ferros... estalar do açoite... Legiões de homens negros como a noite, Horrendos a dançar... Negras mulheres, suspendendo às tetas Magras crianças, cujas bocas pretas Rega o sangue das mães: Outras, moças... mas nuas, espantadas, No turbilhão de espectros arrastadas, Em ânsia e mágoa vãs. E ri-se a orquestra, irônica, estridente... E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais... Se o velho arqueja... se no chão resvala, Ouvem-se gritos... o chicote estala. E voam mais e mais... Presa nos elos de uma só cadeia, A multidão faminta cambaleia, E chora e dança ali! ............................................ Um de raiva delira, outro enlouquece... Outro, que de martírios embrutece, Cantando, geme e ri! No entanto o capitão manda a manobra E após, fitando o céu que se desdobra Tão puro sobre o mar, Diz do fumo entre os densos nevoeiros: "Vibrai rijo o chicote, marinheiros! Fazei-os mais dançar!..." E ri-se a orquestra irônica, estridente... E da roda fantástica a serpente Faz doudas espirais! Qual num sonho dantesco as sombras voam... Gritos, ais, maldições, preces ressoam! E ri-se Satanás!... Publicado no livro A cachoeira de Paulo Afonso: poema original brasileiro (1876). In: ALVES, Castro. Obra completa. Org. e notas Eugênio Gomes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 198