Itatiaia
Quando eu era menor na grande moradia
De minha avó materna e de meu pobre avô
Muitas vezes senti, como alguém que sonhou
Pesar sobre meu corpo o olhar da minha tia
Miserável, na frente mesmo dos avós
Que, velhos, sem amor, conversavam comigo
Deixava-me molhar de um riso de mendigo
Tremendo à comoção de uma volúpia atroz.
Na penumbra da sala lívida, amarela
Que te viu, minha mãe, antes de mãe, ser filha
Faminto como um cão no cio, sem família
Tocava sob a mesa a perna quente dela.
Ficava assim, as mãos geladas, os pés úmidos
Sem forças para olhar aquela mulher feia
Que tinha pêlos oleosos sob a meia
E esmagava na blusa os belos seios túmidos.
A náusea de mim mesmo abria-me a garganta
Tão forte quanto o mal que me engrossava o sangue
E era como se eu fosse alguma coisa exangue
E como se ela fosse alguma coisa santa.
Meus sonhos de beleza e meus votos de ideal
Debandavam como asas tristes e malferidas
Meu sonho era beijar as nádegas partidas
Ao desvendar o nu daquele ser fatal.
Com mãos fantásticas eu via-me, anjo impuro
Ereto na treva, o ventre despido a meio
Feroz, a mastigar-lhe a carne azul do seio
Sentindo-me ferir no seu corpete duro.
Por fim, sem poder mais, contendo à toa o hausto
Do gozo, corria a chorar para o banheiro
Onde, entre vômitos, o olfato aberto ao cheiro
Acre, masturbava-me até ficar exausto.
Quem jamais poderá dizer o medo louco
O indizível pavor de voltar que me vinha
De transpor a porta, olhar minha avó velhinha
E meu finado avô, que adormecera um pouco.
E entretanto, cheio de angústia, delicado
De angústia, voltava, abria de manso a porta
Incapaz de ferir aquela paz já morta
Com a mais leve emoção de me sentir culpado.
Pobre criança! que Deus implacável fizera
Que perdesse tão cedo as ilusões mais belas
Tu que devias ir viajando entre as estrelas
A cantar e a correr tonto de primavera?!
Itatiaia, 1937.