De noite para proclamar-se minha escrava
E antes mesmo de tê-la, tendo-a na boca presa
Era o jovem que fui, semeador de beleza
Que voltava do mar a dizer, triunfal
"Vi Nossa Senhora! Num banco de coral
Ela estava a chorar, tão linda, me chamando!"
Ou que, vindo do sol, afogueado, vermelho,
Punha-me nu e ria do meu corpo no espelho
E que, sentado à praia, entre meninas da Ilha
Afagando um quadril, consertando uma quilha
Sonhava essa mulher, plena, doce e carnal
Que em mim trouxesse o anjo à presa do animal
Essa mesma mulher que me surgiu agora.
Quando ela apareceu, risonha, inesperada
Para o encontro ideal, azul sobre a calçada
Solto o cabelo, terno o gesto, leve o passo
Não houve em meu olhar nem temor nem embaraço
Senti nessa mulher desconhecida alguma
Coisa que a iluminava e a despia da bruma
Como se na nudez em que a via surgisse
Todo o sonho de amor da minha meninice
Que importava quem fosse?... ao tocá-la sentia
A carne que amava e sobre a qual dormia
A alma fecunda e só, que, longa, me acordava.
Que mais farei na vida feita
Rico de tudo, nada tenho
Vivo fugindo
Sigo aceitando o que me vem
Mas tudo vem tão diferente.