Balada do enterrado vivo

Vinicius de Moraes

Na mais medonha das trevas  Acabei de despertar  Soterrado sob um túmulo.  De nada chego a lembrar  Sinto meu corpo pesar  Como se fosse de chumbo.  Não posso me levantar  Debalde tentei clamar  Aos habitantes do mundo.  Tenho um minuto de vida  Em breve estará perdida  Quando eu quiser respirar.  Meu caixão me prende os braços.  Enorme, a tampa fechada  Roça-me quase a cabeça.  Se ao menos a escuridão  Não estivesse tão espessa!  Se eu conseguisse fincar  Os joelhos nessa tampa  E os sete palmos de terra  Do fundo à campa rasgar!  Se um som eu chegasse a ouvir  No oco deste caixão  Que não fosse esse soturno  Bater do meu coração!  Se eu conseguisse esticar  Os braços num repelão  Inda rasgassem-me a carne  Os ossos que restarão!  Se eu pudesse me virar  As omoplatas romper  Na fúria de uma evasão  Ou se eu pudesse sorrir  Ou de ódio me estrangular  E de outra morte morrer!  Mas só me resta esperar  Suster a respiração  Sentindo o sangue subir-me  Como a lava de um vulcão  Enquanto a terra me esmaga  O caixão me oprime os membros  A gravata me asfixia  E um lenço me cerra os dentes!  Não há como me mover  E este lenço desatar  Não há como desmanchar  O laço que os pés me prende!  Bate, bate, mão aflita  No fundo deste caixão  Marca a angústia dos segundos  Que sem ar se extinguirão!  Lutai, pés espavoridos  Presos num nó de cordão  Que acima, os homens passando  Não ouvem vossa aflição!  Raspa, cara enlouquecida  Contra a lenha da prisão  Pesando sobre teus olhos  Há sete palmos de chão!  Corre mente desvairada  Sem consolo e sem perdão  Que nem a prece te ocorre  À louca imaginação!  Busca o ar que se te finda  Na caverna do pulmão  O pouco que tens ainda  Te há de erguer na convulsão  Que romperá teu sepulcro  E os sete palmos de chão:  Não te restassem por cima  Setecentos de amplidão!