Spleen e Charutos – I Solidão

Álvares de Azevedo

Nas nuvens cor de cinza do horizonte A lua amarelada a face embuça; Parece que tem frio, e no seu leito Deitou, para dormir, a carapuça. Ergueu-se, vem da noite a vagabunda Sem chale, sem camisa e sem mantilha, Vem nua e bela procurar amantes; É douda por amor da noite a filha. As nuvens são uns frades de joelhos, Rezam adormecendo no oratório; Todos têm o capuz e bons narizes, E parecem sonhar o refeitório. As árvores prateiam-se na praia, Qual de uma fada os mágicos retiros.... Ó lua, as doces brisas que sussurram Coam dos lábios como suspiros! Falando ao coração que nota aérea Deste céu, destas águas se desata? Canta assim algum gênio adormecido Das ondas mortas no lençol de prata? Minha alma tenebrosa se entristece, É muda como sala mortuária.... Deito-me só e triste, e sem ter fome Vejo na mesa a ceia solitária. Ó lua, ó lua bela dos amores, Se tu és moça e tens um peito amigo, Não me deixes assim dormir solteiro, À meia-noite vem cear comigo!