Lembrança de Morrer

Álvares de Azevedo

Quando em meu peito rebentar-se a fibra, Que o espírito enlaça à dor vivente, Não derramem por mim nenhuma lágrima Em pálpebra demente. E nem desfolhem na matéria impura A flor do vale que adormece ao vento: Não quero que uma nota de alegria Se cale por meu triste passamento. Eu deixo a vida como deixa o tédio Do deserto, o poento caminheiro, – Como as horas de um longo pesadelo Que se desfaz ao dobre de um sineiro; Como o desterro de minh’alma errante, Onde fogo insensato a consumia: Só levo uma saudade – é desses tempos Que amorosa ilusão embelecia. Só levo uma saudade – é dessas sombras Que eu sentia velar nas noites minhas… De ti, ó minha mãe, pobre coitada, Que por minha tristeza te definhas! De meu pai… de meus únicos amigos, Pouco - bem poucos – e que não zombavam Quando, em noites de febre endoudecido, Minhas pálidas crenças duvidavam. Se uma lágrima as pálpebras me inunda, Se um suspiro nos seios treme ainda, É pela virgem que sonhei… que nunca Aos lábios me encostou a face linda! Só tu à mocidade sonhadora Do pálido poeta deste flores… Se viveu, foi por ti! e de esperança De na vida gozar de teus amores. Beijarei a verdade santa e nua, Verei cristalizar-se o sonho amigo… Ó minha virgem dos errantes sonhos, Filha do céu, eu vou amar contigo! Descansem o meu leito solitário Na floresta dos homens esquecida, À sombra de uma cruz, e escrevam nela: Foi poeta - sonhou - e amou na vida. Sombras do vale, noites da montanha Que minha alma cantou e amava tanto, Protegei o meu corpo abandonado, E no silêncio derramai-lhe canto! Mas quando preludia ave d’aurora E quando à meia-noite o céu repousa, Arvoredos do bosque, abri os ramos… Deixai a lua pratear-me a lousa!