Casta(s) a Jorge de Sena

Sophia de Mello Breyner Andresen

I Não és navegador mas emigrante Legítimo português de novecentos Levaste contigo os teus e levaste Sonhos fúrias trabalhos e saudade; Moraste dia por dia a tua ausência No mais profundo fundo das profundas Cavernas altas onde o estar se esconde II E agora chega a notícia que morreste E algo se desloca em nossa vida III Há muito estavas longe Mas vinham cartas poemas e notícias E pensávamos que sempre voltarias Enquanto amigos teus aqui te esperassem - E assim às vezes chegavas da terra estrangeira Não como filho pródigo mas como irmão prudente E ríamos e falávamos em redor da mesa E tiniam talheres loiças e vidros Como se tudo na chegada se alegrasse Trazias contigo um certo ar de capitão de tempesatades - Grandioso vencedor e tão amargo vencido - E havia avidez azáfama e pressa No desejo de suprir anos de distância em horas de conversa E havia uma veemente emoção em tua grave amizade E em redor da mesa celebrávamos a festa Do instante que brilhava entre frutos e rostos IV E agora chega a notícia que morreste A morte vem como nenhuma carta.