Estrofes do Solitário

Castro Alves

Basta de covardia! A hora soa... Voz ignota e fatídica revoa, Que vem... Donde? De Deus. A nova geração rompe da terra, E, qual Minerva armada para a guerra, Pega a espada... olha os céus. Sim, de longe, das raias do futuro, Parte um grito, p'ra — os homens surdo, obscuro, Mas para — os moços, não! É que, em meio das lutas da cidade, Não ouvis o clarim da Eternidade, Que troa n'amplidão! Quando as praias se ocultam na neblina, E como a garça, abrindo a asa latina, Corre a barca no mar, Se então sem freios se despenha o norte, É impossível — parar... volver — é morte... Só lhe resta marchar. E o povo é como — a barca em plenas vagas, A tirania — é o tremedal das plagas, O porvir — a amplidão. Homens! Esta lufada que rebenta É o furor da mais lôbrega tormenta... — Ruge a revolução. E vós cruzais os braços... Covardia! E murmurais com fera hipocrisia: — É preciso esperar... Esperar? Mas o quê? Que a populaça, Este vento que os tronos despedaça, Venha abismos cavar? Ou quereis, como a sátrapa arrogante, Que o porvir, n'ante-sala, espere o instante Em que o deixeis subir?! Oh! parai a avalanche, o sol, os ventos, O oceano, o condor, os elementos... Porém nunca o porvir! (...) Desvario das frontes coroadas! Na página das púrpuras rasgadas Ninguém mais estudou! E no sulco do tempo, embalde dorme A cabeça dos reis — semente enorme Que a multidão plantou!... No entanto fora belo nesta idade Desfraldar o estandarte da igualdade, De Byron ser o irmão... E pródigo — a esta Grécia brasileira, Legar no testamento — uma bandeira, E ao mundo — uma nação. Soltar ao vento a inspiração de Graco Envolver-se no manto de 'Spartaco, Dos servos entre a grei; Lincoln — o Lázaro acordar de novo, E da tumba da ignomínia erguer um povo, Fazer de um verme — um rei! Depois morrer — que a vida está completa, — Rei ou tribuno, César ou poeta, Que mais quereis depois? Basta escutar, do fundo lá da cova, Dançar em vossa lousa a raça nova Libertada por vós... Imagem - 00290010 Publicado no livro A cachoeira de Paulo Afonso: poema original brasileiro (1876). In: ALVES, Castro. Obra completa. Org. e notas Eugênio Gomes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 198