IMMENSIS ORBIBUS ANGUIS

Castro Alves

Sibila lambebant linguis vibrantibus ora. Virgílio Resvala em fogo o sol dos montes sobre a espalda, E lustra o dorso nu da índia americana... Na selva zumbe entanto o inseto de esmeralda, E pousa o colibri nas flores da liana. Ali — a luz cruel, a calmaria intensa! Aqui — a sombra, a paz, os ventos, a cascata E a pluma dos bambus a tremular imensa. . . E o canto de aves mil... e a solidão... e a mata... E à hora em que, fugindo aos raios da esplanada, A Indígena, a gentil matrona do deserto Amarra aos palmeiras a rede mosqueada, Que, leve como um berço, embala o vento incerto... Então ela abandona-lhe ao beijo apaixonado A perna a mais formosa — o corpo o mais macio, E, as pálpebras cerrando, ao filho bronzeado Entrega um seio nu, moreno, luzidio. Porém, dentre os espatos esguios do coqueiro, Do verde gravatá nos cachos reluzentes, Enrosca-se e desliza um corpo sorrateiro E desce devagar pelos cipós pendentes. E desce... e desce mais... à rede já se chega... Da índia nos cabelos a longa cauda some... Horror! aquele horror ao peito eis que se apega! A baba — quer o leite! — A chaga — sente fome! O veneno — quer mel! A escama quer a pele! Quer o almíscar — perfume! — O imundo quer — o belo! A língua do reptil — lambendo o seio imbele!... Uma cobra — por filho... Horrível pesadelo!... II Assim, minhalma, assim um dia adormeceste Na floresta ideal da ardente mocidade... Abria a fantasia — a pétala celeste... Zumbia o sonho douro em doce obscuridade... Assim, minhalma deste o seio (ó dor imensa!) Onde a paixão corria indômita e fremente! Assim bebeu-te a vida, a mocidade e a crença, Não boca de mulher ... mas de fatal serpente! ...