Juca Mulato Parte II

Menotti del Picchia

"Vamos, Juca Mulato, estás doido ? Entretanto, tem a noite lunar arrepios de susto, parece respirar a fronde de um arbusto. O ar é como um bafo, a água corrente, um pranto. Tudo cria uma vida espiritual violenta. O ar morno lhe fala, o aroma suave o tenta… "Que diabo !" Volve aos céus as pupilas, à toa, e vê, na lua, o olhar da filha da patroa… Olha a mata: lá está! O horizonte lho esboça, pressente-o em cada moita, enxerga-o em cada poça e ele vibra, ele sonha e ele anseia, impotente, esse olhar que passou, longínquo e indiferente! Juca Mulato cisma. Olha a lua e estremece. Dentro dele um desejo abre-se em flor e cresce e ele pensa, ao sentir esses sonhos ignotos, que a alma é como uma planta, os sonhos como os brotos, vão rebentando nela e se abrindo em floradas… Franjam de ouro, o ocidente, as chamas das queimadas, Mal se pode conter de inquieto e satisfeito. Advinha que tem qualquer coisa no peito e às promessas do amor a alma escancara ansiado como os áureos portais de um palácio encantado!… Mas a mágoa que ronda a alegria de perto entra no coração sempre que o encontra aberto… Juca Mulato sofre… Esse olhar calmo e doce fulgiu-lhe como a luz, como a luz apagou-se. Feliz até então, tinha a alma adormecida…. Esse olhar que o fitou, o acordou para a vida! A luz que nele viu deu-lhe a dor que agora o assombra, como o sol que traz a luz e, depois, deixa a sombra… E, na noite estival, arrepiadas, as plantas tinham na negra fronde, umas roucas gargantas bradando, sob o luar opalino, de chofre: "Sofre, Juca Mulato, é tua sina, sofre… Fechar ao mal de amor nossa alma adormecida é dormir sem sonhar, é viver sem ter vida… Ter, a um sonho de amor, o coração sujeito é o mesmo que cravar uma faca no peito. Esta vida é um punhal com dois gumes fatais: não amar é sofrer; amar é sofrer mais"! E, despertando à Vida esse caboclo rude, alma cheia de abrolhos, notou, na imensa dor de quem se desilude que, desse olhar que amou, fugitivo e sereno, só lhe restara no lábio um travo de veneno, uma chaga no peito e lágrimas nos olhos!