A floresta

Vinicius de Moraes

Sobre o dorso possante do cavalo Banhado pela luz do sol nascente Eu penetrei o atalho, na floresta. Tudo era força ali, tudo era força Força ascencional da natureza. A luz que em torvelinhos despenhava Sobre a coma verdíssima da mata Pelos claros das árvores entrava E desenhava a terra de arabescos. Na vertigem suprema do galope Pelos ouvidos, doces, perpassavam Cantos selvagens de aves indolentes. A branda aragem que do azul descia E nas folhas das árvores brincava Trazia à boca um gosto saboroso De folha verde e nova e seiva bruta. Vertiginosamente eu caminhava Bêbado da frescura da montanha Bebendo o ar estranguladamente. Às vezes, a mão firme apaziguava O impulso ardente do animal fogoso Para ouvir de mais perto o canto suave De alguma ave de plumagem rica E após, soltando as rédeas ao cavalo Ia de novo loucamente à brida. De repente parei. Longe, bem longe Um ruído indeciso, informe ainda Vinha às vezes, trazido pelo vento. Apenas branda aragem perpassava E pelo azul do céu, nenhuma nuvem. Que seria? De novo caminhando Mais distinto escutava o estranho ruído Como que o ronco baixo e surdo e cavo De um gigante de lenda adormecido. A cachoeira, Senhor! A cachoeira! Era ela. Meu Deus, que majestade! Desmontei. Sobre a borda da montanha Vendo a água lançando-se em peitadas Em contorções, em doidos torvelinhos Sobre o rio dormente e marulhoso Eu tive a estranha sensação da morte. Em cima o rio vinha espumejante Apertado entre as pedras pardacentas Rápido e se sacudindo em branca espuma. De repente era o vácuo embaixo, o nada A queda célere e desamparada A vertigem do abismo, o horror supremo A água caindo, apavorada, cega Como querendo se agarrar nas pedras Mas caindo, caindo, na voragem E toda se estilhaçando, espumecente. Lá fiquei longo tempo sobre a rocha Ouvindo o grande grito que subia Cheio, eu também, de gritos interiores. Lá fiquei, só Deus sabe quanto tempo Sufocando no peito o sofrimento Caudal de dor atroz e inapagável Bem mais forte e selvagem do que a outra. Feita ela toda da desesperança De não poder sentir a natureza Com o espírito em Deus que a fez tão bela. Quando voltei, já vinha o sol mais alto E alta vinha a tristeza no meu peito. Eu caminhei. De novo veio o vento Os pássaros cantaram novamente De novo o aroma rude da floresta De novo o vento. Mas eu nada via. Eu era um ser qualquer que ali andava Que vinha para o ponto de onde viera Sem sentido, sem luz, sem esperança Sobre o dorso cansado de um cavalo. ---