A mulher na noite

Vinicius de Moraes

Eu fiquei imóvel e no escuro tu vieste. A chuva batia nas vidraças e escorria nas calhas — vinhas andando e eu não te via Contudo a volúpia entrou em mim e ulcerou a treva nos meus olhos. Eu estava imóvel — tu caminhavas para mim como um pinheiro erguido E de repente, não sei, me vi acorrentado no descampado, no meio de insetos E as formigas me passeavam pelo corpo úmido. Do teu corpo balouçante saíam cobras que se eriçavam sobre o meu peito E muito ao longe me parecia ouvir uivos de lobas. E então a aragem começou a descer e me arrepiou os nervos E os insetos se ocultavam nos meus ouvidos e zunzunavam sobre os meus lábios. Eu queria me levantar porque grandes reses me lambiam o rosto E cabras cheirando forte urinavam sobre as minhas pernas. Uma angústia de morte começou a se apossar do meu ser As formigas iam e vinham, os insetos procriavam e zumbiam do meu desespero E eu comecei a sufocar sob a rês que me lambia. Nesse momento as cobras apertaram o meu pescoço E a chuva despejou sobre mim torrentes amargas. Eu me levantei e comecei a chegar, me parecia vir de longe E não havia mais vida na minha frente. ---