A paixão da carne

Vinicius de Moraes

Envolto em toalhas Frias, pego ao colo O corpo escaldante. Tem apenas dois anos E embora não fale Sorri com doçura. É Pedro, meu filho Sêmen feito carne Minha criatura Minha poesia. É Pedro, meu filho Sobre cujo sono Como sobre o abismo Em noites de insônia Um pai se debruça. Olho no termômetro: Quarenta e oito décimos E através do pano A febre do corpo Bafeja-me o rosto Penetra-me os ossos Desce-me às entranhas Úmida e voraz Angina pultácea Estreptocócica? Quem sabe... quem sabe... Aperto meu filho Com força entre os braços Enquanto crisálidas Em mim se desfazem Óvulos se rompem Crostas se bipartem E de cada poro Da minha epiderme Lutam lepidópteros Por se libertar. Ah, que eu já sentisse Os êxtases máximos Da carne nos rasgos Da paixão espúria! Ah, que eu já bradasse Nas horas de exalta- Ção os mais lancinantes Gritos de loucura! Ah, que eu já queimasse Da febre mais quente Que jamais queimasse A humana criatura! Mas nunca como antes Nunca! nunca! nunca! Nem paixão tão alta Nem febre tão pura.