Quarta-Feira da Paixão
Ah, como eram belos neste instante os ermos marítimos
E como era misterioso e distante o poente da cinza
Que como um fato, oculto nos pálidos confins
Abria a pupila amarela da Lua, em carícias e ritmos...
E ela veio até mim, diáfana, por entre a teia
Da neblina, e eu, lírico de emoção, prendi-a, e amei-a
E nas bordas do mar, entre os sussurros de outras vagas
Confiei-lhe os carinhos da outra amiga, de outras plagas...
No entanto fiquei, entre o horizonte leve e a noite leve
O corpo atento e o gesto breve, sobre a areia
E o mar, verde como o meu desejo, me trazia a sereia
Que vinha sem cantos, e com encantos que a voz não descreve.
Lembro-me até que os seus seios eram brancos como a borracha
E nela se prendiam as algas da maré baixa
E que o seu sexo era puro e alto, e negro
O pêlo sedoso que o vestia, e cuja fartura me alegrou.
No amor, seu corpo agonizara em mil transportes
E seu gozo vibrava em Betelgeuse, a estrela
Que alta, no espelho do céu, era o infinito dela
Assim como uma vida é o espelho de mil mortes.
E depois, quando ela se foi, sem remorso e sem vida
Já nada mais restava da amiga desmerecida
E era como se o oceano verde, a murmurar de novo
Contivesse todo o meu afeto, e o meu desejo, e o meu segredo…
E foi num dia, como eu estivesse a apascentar
A minha tristíssima poesia, pelas campinas cérulas do mar
Que veio e fugiu uma cigana, visão de luz e ouro
E que tinha olhos azuis amanhecendo um véu louro...